sábado, 12 de dezembro de 2009

A vida sem o amor

Quando moleque, Antonio já ouvia sua mãe se queixar da irmã mais velha, que andava muito “por ai”... Para Antonio, isso só queria dizer que ela não estava dentro de casa, mas a mãe sabia que logo veria sua filha ser Dona de casa. E nada mais irônico que a palavra casamento, e o verbo casamentar, com definição específica: Sair de Casa! E assim se foi a primeira filha de Maria.

O filho pródigo era Tiago. Exímio trabalhador. Não dava despesas, não dava problemas, não dava dor de cabeça. Foi quando certo Natal, parecendo presente de “amigo sacana” deu a sua mãe uma pequena lembrança de três quilos e quinhentos gramas. Um neto. Em homenagem ao seu bisavô, chamou-se Ulisses.

E então Antonio ouvia: “Filho, seja o único a não me decepcionar”. Ainda na idade em que todas as meninas são chatas, ele não entendia o que ela queria te ensinar. Na tentativa de preservação da inocência, o guri foi parar na escola católica para garotos. Onde não é de se estranhar, só haviam Garotos. O primeiro contato de Antonio com a preservadíssima imagem feminina foi com Judite. Muito tardamente, aos 18 anos, Antonio foi à enfermaria e viu Judite, a nova enfermeira do internato. Nova, logicamente, é força de expressão. O que a meiga enfermeira tinha de mais novo, era um surrado Jaleco que foi presente em suas bodas de diamante. Vagarosamente, com a ajuda de seu andador, Judite se aproximou e fez um pequeno curativo em Antonio, que naquele instante inebriava o pensamento com formas de nunca voltar lá.

Quando parecia já não ter solução, Antonio recebeu uma visita que poderia mudar sua vida definitivamente. Seus irmãos foram contar-lhe sobre o mundo que o aguardava. Apesar dos esforços ele não ficou muito convencido, mas decidiu pensar na idéia de sair do monastério. Aquela altura ele se tornara uma pessoa muito racional, que não agia por impulsos e parecia não possuir sentimento algum. Duro. Ríspido. Frio. Mas dentro de si, uma fagulha, uma centelha, ainda estava acesa. E se em sua rude vida, existiu um momento onde uma supernova pudesse se acender, o momento era esse. Deu-se então o primeiro passo.

Tiago o levou numa convenção de arte. Ele conheceu várias obras clássicas da pintura e das esculturas. Mas ele estava indiferente a tudo. A todo aquele universo ao seu redor. E hora depois ainda estava dentro de si. Apático. E chegou a questionar desde a cordenação motora de Van Gogh ao pintar o céu, até o motivo de tristeza da Monalisa. Ainda motivada, a sua irmã o levou a uma festa. Com direito a piscina, mulheres, música e muito álcool. Mas seu corpo estava fechado. Antonio não ousou tocar no álcool, falar com as mulheres ou até mesmo dividir a piscina. Sem mencionar que a música eram apenas ruídos que incomodavam seus ouvidos. Há de se convir que os irmãos tentaram. Os esforços não ficaram por ai... Antonio viajou, conheceu o mundo, os esportes, os prazeres da vida, mas continuava do mesmo jeito. Completamente frígido. Tomou então a decisão que Angustiou sua Família. Voltar ao monastério. Uma despedida do mundo real foi organizada. Lual na praia com fogueira e violão. Ocasião perfeita se Antonio não continuasse imóvel e frio. Foi quando aconteceu o milagre.

Marcella era uma mulher linda. Segundo muitos, completamente perfeita. O ultimo corpo que Deus desenhou, quando já tinha prática. Sem erros e sem defeitos, veio caminhando pela areia da praia num minúsculo biquíni branco. Uma flor de Laranjeira presa em seu cabelo que esvoaçava com a brisa do mar. Aproximou-se de Antonio que a admirava de baixo pra cima, com uma leve pausa no umbigo de piercing reluzindo com a claridade da lua, passando pelos seus seios e chegando ao seu suave rosto. Neste momento a deusa abriu seu branco sorriso, olho fundo nos olhos de Antonio e disse “Oi”.

Antonio enfim tinha apreciado a beleza do mundo ao seu redor e aquilo era Muito pra ele. Sentiu um enrijecimento entre as pernas e seu corpo tremeu. Pela primeira vez estava tendo um desejo sexual. Meio que sem reação deu um vagaroso suspiro e o ar que entrava em suas narinas estava queimando os seus pulmões de excitação. O coração acelerou, parecia que a centelha que carregava caiu em mato seco, o incêndio era iminente. O seu coração explodiu. De súbita dor da paixão levou a mão ao peito, olhou mais uma vez para Marcella... e caiu. Completamente morto. Os irmãos que conheciam seu coração de pedra alegaram que foi uma parada cardíaca. Porem o que disseram por ai, foi que Antonio morreu de amor.

Um comentário: